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Da cordura à cor pura

 

Vicente Vitoriano

Dr. Departamento de Artes da UFRN, Artista visual.

Publicado originalmente no Diário de Natal, em 16 de outubro de 2008.

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma das mais instigantes experiências que tenho em meus contatos com as artes visuais, seja como professor ou quando me arvoro como critico de arte, ocorre quando descubro o que se pode chamar de um novo talento. Assim foi com o surgimento de Marcelo Fernandes, o encontro com Adonias Assunção ou, mais recentemente quando fui apresentado ao trabalho de Vinicius Dantas. Houve, porém, uma situação muito especial que foi descobrir as capacidades de artista visual em Claudio Damasceno, quem já conhecia como poeta, musico e performer. Na época exercitando-se com lápis esferográficos, Claudio me impressionou tão positivamente que o convidei, de imediato, a produzir as ilustrações do meu livro de poemas e contos Os vértices do triangulo. Desde então, venho acompanhando sua trajetória como artista visual, que inclui seu trabalho como designer gráfico, sua investidura com mosaicos e as colagens feitas com recortes de embalagens de confecções. Tais colagens originaram Cordura, obra exposta pelo artista, na Galeria Convivart, em 2008.

O conceito central de Cordura procura sintetizar uma abordagem social das afetividades encobertas (corações endurecidos) nos dias em curso e outra, de caráter formal, que nos leva ao colorido compacto das impressões uniformes de cores saturadas, especificamente o vermelho, o azul e o amarelo. A proximidade dos tons usados com as cores primárias de pigmento indica o tom direto, quase abrupto, que parece assumir o discurso plástico de Claudio, não obstante a variedade de temas explorados por meio de um misto de figuração e abstração, que resulta do refinado grafismo. Este, por sua vez, é associado ao entendimento e ao uso de recursos compositivos construtivistas. O conjunto coeso das trinta gravuras que compunham a exposição Cordura liga historicamente este trabalho ao modernismo em sua vertente construtiva, principalmente se consideramos a sua unidade baseada numa clara economia formal. Mas a aventura de Claudio na direção do resgate de valores modernistas ou, em geral, históricos ainda tem suporte na exploração das técnicas de recorte e colagem e na gravura artesanal o que, em última instância, também cria ponte com a pop art, considerada a fonte do material utilizado originalmente (cartões impressos de embalagem). Deve-se, entretanto, considerar o crivo eletrônico que as imagens criadas pelas colagens sofrem no meio do processo, antes de chegarem na confecção das telas e na precisão das impressões. Isto configura a atualização que o artista confere a estas tecnologias ao tempo em que sinaliza sua inserção nas pesquisas técnico-formais contemporâneas.

A pesquisa de Cláudio Damasceno leva-o, agora, para um aprofundamento de relações com a forma e a cor puras, uma vez saindo da exploração temática e figurativa para outra, mais abstrata, em que a perspectiva histórica construtivista parece ancorar na experiência brasileira do concretismo. A interface tecnológica e seu trato com a virtualidade  por enquanto vi apenas as imagens em versão eletrônica, faz, entretanto, a materialidade requerida pela teorética concretista evanescer ao mesmo tempo em que se afirmar, renovada, no espaço da contemporaneidade artística. Ou seja, embora ainda, para mim, virtual, o complexo jogo compositivo proposto pelo artista opera não apenas transições diacrônicas, no sentido histórico-temporal, mas assume a profícua possibilidade de expansões espaciais que vão das ampliações/reduções sob comandos digitais à penetração planetária em rede. Não está em jogo uma discussão sobre simpatias por culturas específicas, não obstante o concretismo brasileiro a que vejo filiar-se a obra de Cláudio. O mergulho estético deste artista é tão natalense quanto cósmico e seus temas ou a ausência deles, apoiada na forma, no circuito que fazem entre considerações sociológicas e especulações óticas desenham uma geografia totalmente aberta ao nosso conhecimento e deleite.

 

CORDURA

A serigrafia como suporte re (creativo)

 

Jota Medeiros

Curador.

 

Uma visão objetiva, a construção fotográfica imaginária de Cláudio Damasceno se demonstra na perspectiva de montagens de ladrilhos hidráulicos dentro de sua imaginação matrix do que conceberia o designer Aloísio Magalhães ao inventar os seus cartemas de 1971, mosaico permutável a partir de um único cartão-matriz gerador, reduzido e reproduzido múltiplo/diminuto em um só cartão de tamanho normal.

As lâminas serigráficas (24 x 34 cm) aqui expostas exercem uma signagem postal, para composição, azulejos e/ou ladrilhos numa simbiose geométrico/figurativa. Os essencialmente geométricos se situam como poemas visuais construtivos, que nos remetem às concreções de Sacilotto, de 1952.

Uma outra vertente, gestaltica, expressam quase-figurações e/ou quase-paisagens de uma certa viagem lírico-nostálgica moderna (essa mostra resulta do experimento realizado a partir de colagens com tampas de caixa de camisetas, posteriormente digitalizadas e alteradas”, afirmaria o autor, o resultado final “de um processo de montagem: colagem, bricolagem, cartemagem”, como se referiria, Antônio Houaiss, em apresentação aos cartemas de Aloísio Magalhães.

Nessa perspectiva, o artista múltiplo, designer, pintor, escultor, músico, enfim, define em Cordura: “a cordialidade do ser e a dureza da cor”, ou seja, a cordialidade da cor, usando as três cores matrizes básicas numa perspectiva de uma educação do olhar, do ver geracional as possibilidades sensoriais de mistura e fruição estética de versões a serem operadas pelo leitor da obra matriz/em/processo. Sem mistificações Cláudio Damasceno opera um passado também concreto, entre o telúrico e o espaço industrial; o porto e a metrópolis; o velho e o novo. Velho redivivo.

 

 

CORDURAS DAMASCÊNICAS

 

Pablo Capistrano

Dr. Filosofia/UFRN; Crítico de artes

 

Dizem que um dia o brasileiro foi um homem cordial.
Eu acredito nisso porque, de certa forma, em minha memória ainda existe espaço para as imagens de um mundo marcado por cadeiras na calçada no fim da tarde e por uma dimensão afetiva no olhar e nas palavras dos meus conterrâneos. Mas o tempo, e sua mais cruel esposa, a história, trataram de, ao menos em minha cidade, sepultar, em meio a toneladas de concreto e a uma avalanche de consumo, os restos dessa cordialidade utópica que parece ter um dia marcado as tardes do Brasil.

Hoje, a minha sensação, é que alguma coisa sem forma definida andou levando meus conterrâneos para o lado sombrio dessa imensa fantasia nietzscheana chamada Brasil.
Às vezes eu consigo encontrar a palavra exata para descrever o sentimento que eu tenho quando penso sobre essa perda tão significativa da cordialidade essencial que um dia parece ter agregado as partes fraturadas de meu povo, em um sonho dialético, onde os contrários podiam conviver. Mas, nessas horas, ainda bem que existe a arte para substituir minha voz e mostrar aquilo que eu não consigo expressar em palavras.

 

Essa semana entrei na galeria do NAC (na UFRN) e me deparei com a exposição de gravuras do artista plástico Cláudio Damasceno. A exposição intitulada "Cordura" faz alusão a uma bela e antiga palavra da língua portuguesa, que parece ter sido abandonada pelos brasileiros nos últimos anos. Cordura é a qualidade de quem é cordato, cordo (que vem tanto do português antigo quanto do espanhol cuerdo).

A cordura, palavra usada por Machado de Assis e que nos leva a um tempo de comunhão em um Brasil utópico e original, subitamente se transforma, na obra de Damasceno em uma "cor dura", uma irredutibilidade inexpugnável, representada nas três cores básicas (azul, amarelo e vermelho) usadas em cada uma das gravuras da exposição em seus três planos. Não há gradação nas cores de Cláudio Damasceno e se os personagens, insinuados pelas formas geométricas das gravuras, se confraternizam em uma deliciosa cordialidade, o cenário, o ambiente, o mundo que os circunda, com sua dureza e urbanidade não permite a comunhão, impedindo que as cores se unam e formem novas matizes.

Há uma ameaça subentendida que paira na pintura de artistas como Hopper (pintor norte americano que retratou, hiper realisticamente o mesmo tipo de conflito que emerge da obra geométrica de Damasceno).

O cenário, com seu peso absoluto e objetivo, parece sempre tramar contra as figuras humanas, que buscam umas as outras em um carnaval de desencontro, e solidão. É como se o cenário de nosso mundo, tão cru e objetivo, com sua lógica de produção, com seu rigor que mata os sonhos de amor e de fraternidade dos homens, pudesse a qualquer momento engolir seus personagens. A dureza primitiva das coisas pode aparecer de modos diferentes.

Em Hopper, por exemplo, ela aparece na solidão das casas vazias em cima das colinas no fim de tarde, no silêncio que salta de uma bomba de gasolina abandonada em um posto de beira de estrada, na figura da lanterninha de cinema solitária, que não pode ou não quer assistir ao filme que se projeta na tela. Com suas cores básicas e suas linhas demarcadas, impedindo a gradação e construindo as formas geométricas que insinuam as figuras de suas gravuras, Damasceno consegue como Hopper, nos transportar a situações de nossa própria vida, como se em um flagrante fotográfico do cotidiano, pudéssemos visualizar nosso desejo de amor, nossa ansiedade de amizade, nossa busca de cordura, em meio a dureza das cores do mundo.

Em uma Natal em transformação constante, em um mundo que se acelera e se concretiza velozmente, substituindo a paisagem natural pelo cimento e o concreto dos arranha-céus a pintura de Damasceno nos alerta, para o inquietante estado de nossa própria cordialidade, de nossa própria condição de sujeitos, humanos em meio a frieza das coisas.

Para quem acredita que arte é decoração e que o papel do artista é enfeitar parede de clínica odontológica eu sugiro um passeio pelo universo pictográfico de Damasceno. Porque a arte também pode nos ensinar, ela joga na nossa alma a palavra que falta na nossa boca e dá forma a nosso estranho sentimento de orfandade, para que a vida e a dureza das coisas não possam, um dia, definitivamente nos apartar e nos destruir.

CONTÍGUOS: LINHAS COMPANHEIRAS DA COR.

 

Isaias Ribeiro

Artista visual, Mestre dep. de Arquitetura

 

 

O conjunto de gravuras que Cláudio Damasceno apresenta, resume como plasmar, de maneira

O OLHAR QUE (SE) SURPREENDE: VIZINHANÇAS.

 

Lívio Oliveira

Advogado, Crítico de artes.

 

 

Quando ingressei na Sala do NAC – Núcleo de Arte e Cultura da UFRN – para presenciar a exposição “Contíguos” (evento que durou de 20 de agosto a 03 de setembro), não imaginava que tipo de experiência estético-visual iria experimentar ao deitar o olho por sobre as novas obras (desenhos gravados em estampas serigráficas e em tecido sintético) elaboradas pelo múltiplo artista Cláudio Damasceno. A boa surpresa me veio num jorro, misto de espanto e gozo, prazer sensorial e satisfação intelectiva. A exposição revelava (e ao mesmo tempo ocultava e iludia, num verdadeiro jogo e dança labirínticos e caleidoscópicos) segredos que somente um talento especial e um operador desassombrado, mas muito meticuloso, é capaz de investigar, aventurando-se em escaninhos delicados da mente e da sensibilidade e nos trazendo raros efeitos psicofisiológicos ,  inclusive  d e  caráter  l ú d i c o  e  erótico.

 

 

CONTÍGUOS

 

Cláudio Damasceno

Artista visual

 

Os Contíguos são parte de um estudo formal que se desenvolve desde 2010, em que os elementos compositivos estão encadeados por uma função estética e óptica, tenham ou não os desenhos, atributos discursivos ou figurativos.

 

A coleção apresenta desenhos diversos, bicolores, monocromáticos outros com até seis gradações de um mesmo matiz cromático; com insinuações temáticas distintas, porém em conectividade pela forma e pela estruturação óptica.

 

 

Damasceno trabalha os conceitos do estilo denominado OP ART com maestria. Utiliza-se de uma suave engenharia, uma chave geométrica sensual que impõe às suas imagens o movimento que há na própria vida e na natureza, mas principalmente nos escaninhos derradeiros do cérebro. E o olho é mesmo a porta de embarque para essa viagem. O jogo de cores, linhas, formas, dimensões, profundidades e perspectivas exige um examinar com a proximidade que ultrapasse a primeira impressão estática e estética e nos remeta a mistérios que só se revelam depois da partida para delírios que em tudo lembram o onírico, um caudaloso mundo do inconsciente. A aparência é somente aparência e por isso termina sendo superada pela magia do que está oculto. Tridimensionalidades que se firmam em monocromatismos ou em suas gradações que se movimentam, fixam-se e depois explodem em novas projeções de magia sedutora. A simplicidade originária se transmuda num mundo complexo e cheio de mistérios e inquietudes da (des)razão.

 

A competência e a evidenciada disciplina de Damasceno nessa captura hipnótica e tridimensional do olhar é algo que comove e provoca os demais sentidos. Não é demais dizer que se trata de um conjunto de obras de valor estético impressionante e que merece ser conhecido por todos os que apreciam a arte neste estado e em outras plagas. Até mesmo porque as linhas de contiguidade trazidas pelo artista são símbolos de que os limites são mesmo para serem ultrapassados, numa doce invasão e num essencial compartilhamento da(s) vizinhança(s). Vale dizer que elementos arquitetônicos e urbanos também emergem das obras, sendo um pretexto inicial para o ingresso do apreciador-voyeur em “cidades” muito mais ocultas, remetendo a outros artistas da própria OP ART, como o carioca Mavignier (nascido em 1925) e de outros instantes, como o cubista Mondrian (1872-1944) e outro célebre holandês, Escher (1898-1972), neste último caso com influência reconhecida pelo próprio artista de “Contíguos” em obras como a que intitulei carinhosamente, sem licença prévia do artista, de “Pirapora”.

 

E as contiguidades, as vizinhanças que Damasceno propõe a todos nós são mesmo universais. A começar de sua escolha por uma forma de manifestação artística que já vem sendo estudada mais profundamente desde que a revista Time usou a expressão OP ART pela primeira vez em 1964. Fronteiras do tempo e do espaço: todas são rompidas pela beleza da obra de raras qualidades que esse artista nos traz à apreciação e desfrute a partir de um olho e de um olhar nus, sem amarras, penetrando elementos quase insondáveis da imaginação e da criatividade. Eis uma exposição e um artista que não podem e não devem se ater aos limites natalenses e potiguares. Afinal, os contíguos estéticos-visuais-sensoriais com que Damasceno nos presenteia só se esgotam nas vizinhanças do infinito do olho e da alma.

 

 

Os desenhos estão gravados: 12 deles em estampas serigráficas sobre cartão supremo especial 250 g; e 10 gravados pela técnica de sublimação sobre tecido sintético. Todos, em média dimensionados em 45 x 35 cm com 10 cópias de tiragem para cada desenho.

 

Por uma visão geral, os Contíguos são autônomos, diversos e até discrepantes – entretanto,  em comum – estão estruturados em grade simétrica a articular elementos mínimos, “bastantes”; alinhados em linhas horizontais, verticais e diagonais.

 

Suas gradações cromáticas produzem efeitos de perspectiva, de profundidade ou iludem pela tridimensionalidade.

 

Os Contíguos são a demonstração de exímio domínio da técnica da serigrafia sobre papel, em que a sensibilidade artística e o labor resultam em estampas orgânicas, autônomas, significantes e expressivas. Sobre a qualidade, o mesmo afirma-se às lâminas produzidas por sublimação em tecido sintético. Essa experiência utiliza a automação mecânica (arte digital, e a impressão industrial a jato de tinta no padrão cmyk), mais a impregnação do tecido pela tinta em estado de vapor – o que angustia o artista, acostumado a se envolver artesanalmente com o seu trabalho.

 

Pode-se entender essa amostra pela abstração óptica construtiva, ligeiramente expressionista, com retardos modernistas e insinuações pós.

 

Em diálogo histórico, os Contíguos, pela estrutura formal e pela articulação dos signos, referendam os isométricos de Escher, fixa o racionalismo óptico de Mavignier e reverencia as abstrações contingentes de Arpad Szenes, mestre húngaro que inspirou a artistas brasileiros, dentre tais, Aloísio Magalhães e Almir Mavignier.

 

 

Para este texto de apreciação, recorta-se a fatura de gravuras (dimensão media de 50x30 cm), de feições geométricas e opticals. Em outros trabalhos, experimenta-se o processo de sublimação da tinta do estado gasoso ao estado sólido, diretamente no tecido. Sua carreira visitou e se aproximou do teatro, da pintura e da instalação. E se instalou, por enquanto, ao lado do desenho e das suas dimensões no mundo da arte atual. Damasceno está ladeado pela fronteira “desenho-gravura-desenho”, seguro e seguindo um caminho. Pesquisa e experimenta as possibilidades que a gravura dispõe como expressão do pensamento artístico. Seu trabalho tem identidade, algo muito importante na atualidade.

 

As linhas traçadas em alguns desenhos podem evocar, para os mais avisados, a capa do disco Unknown Pleasures, da banda inglesa Joy Division - enigmática e certeira à visão. Diferentes daquelas, estas são contíguas, ladeiam-se e aproximam-se de você, observador! Estão contigo e comigo. Linhas companheiras da cor.

As gravuras rastrearam as composições de Victor Vasarely (1908 -1997), de Carlos Cruz-Diez e de Bridget Riley (1931 -) e tomaram caminho próprio – resultado de muito estudo. As proposições de Damasceno redirecionam e desdobram reflexões plásticas de Luiz Sacilotto e refletem o desenvolvimento técnico e a disciplina que o processo de gravura exige do artista. Ainda que possam, por sua gênese construtiva, alinhar-se à expressão não figurativa, os desenhos intrigam pela sua aproximação com o observador e com uma realidade própria, ampliando a percepção e entendimento da manipulação da linha colorida pelo artista. Estes espaços de continuidade e de aproximação parecem anunciar sua despedida do suporte atual e se lançarem ao espaço. Que venham! Por enquanto, o público se aproxima da gravura. O convite é para uma atitude intimista, se iludam...

 

 

competente, desenhos de inegável refinamento plástico-visual. O intento desafiador de estabelecer possibilidades de relações entre linhas e cores resulta em pura sedução da visão. As gravuras revelam ainda como o artista trabalha, organiza suas ideias e expõe o processo de criação da obra. Ou melhor, como constrói suas ideias. Lado a lado...

O FIM DO HOMEM

Obra premiada com o 2º lugar no XlV Salão de Artes de Natal, em 2012.

 

Por Cláudionor Damasceno.

Historiador, MS. USP. Crítico de artes.

 

 

O Fim do Homem é uma modelagem em acrílico incolor e transparente de dois metros de altura em sua forma final, 40 centímetros de profundidade e 90 centímetros de largura. Possui um corte e uma abertura em cada uma de suas extremidades e cinco dobras em sua parte intermediária, o que da forma a sete polígonos geométricos. A extremidade inferior, que lhe dá base e sustentação, esta dividida em dois polígonos partir dos quais se ergue o restante da estrutura. No meio da peça, cinco dobras em ângulos fechados dão forma a polígonos em tamanhos e formatos diferenciados. Na parte superior um polígono aponta para cima e outro, com duas dobras, aponta levemente para baixo.

 

 

 

 

 

 

 

A opção pelo acrílico, polímero de extrema contemporaneidade, contextualiza a obra no universo crítico do seu tema, O Fim do Homem. Esse material, de transparência impressionante e sensível ao olhar, faz com que a forma em seu conjunto atinja a dimensão de liquidez tipificada nos tempos atuais de fragmentação do espaço e tempo e de virtualização do real. A forma vertical da peça insinua, numa primeira visão, a de um provável homem curvado, retorcido, geometrizado. Sua parte inferior lembra duas pernas firmes, sobre as quais se ergue o corpo imaginário que, curvo sobre si, dá a impressão de volume, movimento, flexão, constrição. A parte superior surpreende pela ausência de uma provável cabeça, substituída por formatos que insinuam duas pernas fazendo um jogo de passes.

A reflexão sobre o fim do Homem esta posta na ordem do dia nesses tempos em que vigora a sensação de que foram rompidos todos os fios condutores que orientavam o Indivíduo em seus caminhos pelo labirinto da existência humana. A promessa de liberdade total e de autonomia econômica, política e simbólica do sujeito, ao fundar a era do pós-história,

 

 

 

 

 

pós-religião, pós-filosofia, pós-política, enfim, do pós-tudo, também colocou em xeque a própria existência do sujeito. Junte-se a isso as mudanças incessantes que fazem com que a experiência do espaço e tempo seja transformada de maneira avassaladora, compreendendo o que David Harvey chamou de “compressão espaço-temporal”, em que o tempo efêmero desprovido de profundidade e o espaço indiferenciado provocassem a sensação permanente do aqui e agora, da ausência de fronteiras, distancias, passado e futuro. É a acronia e a atopia que Paul Virílio atribui à revolução eletrônica e informática em que a telepresença impossibilita diferenciar o virtual do real. É nesse ambiente que o sujeito cartesiano, já descentrado pelo homem social de Marx, pela descoberta do inconsciente de Freud e da psicanálise, pelos sistemas culturais e lingüísticos de Saussure e pelo poder disciplinador de Foucault, agora se vê inapelavelmente colocado em questão na era pós-moderna de Lyotard. Posta assim a realidade do sujeito, resta-nos refletir sobre o significado do que viria a ser o fim do Homem.

 

 

 

 

 

POR FIM, O ESTUDO.

 

Dr. Vicente Vitoriano. Dep. Artes, UFRN.

 

Extraído do livro “INTRODUÇÃO À CULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE”, publicado pela editora Grafset. Texto crítico de sobre a instalação do artista visual Cláudio Damasceno. Publicado no Diário de Natal em 06.02.2003.

 

 

A instalação encontra-se onde normalmente funciona uma sala de aula do curso de Educação Artística da UFRN.


 

 

 

 

 

 

Parte do equipamento da sala, as cadeiras, foi utilizada pelo artista Cláudio Damasceno para compor, recompor uma instigante obra de arte. No processo (dês)construtivo do novo lugar, o artista fixou as carteiras no teto, propondo um sentido de inversão funcional do ambiente, já que o equipamento assume a inutilidade e o estranhamento próprios do que é obra de arte. Não se podem usar as carteiras; apenas vê-las, inúteis, fixas no teto.
O artista mantêm o sentido de inversão quando deita ao chão um boneco, símile de um estudante ou de um professor, enfim de um usuário daquela sala. Terá este personagem caído de uma das carteiras ou está de fato em repouso? È um temporário distanciamento das tarefas corriqueiras ou é o momento de paralisação absoluta, quem sabe o personagem está morto? Todo modo, sua visão parece intensificada, assim como seus olhos projetados por um aparelho que se estende desde o seu rosto. Ele está deitado em um tapete de papel impresso, oriundo de um ou mais outdoors. O mesmo tipo de papel, em que ainda aparecem resquícios de letras, foi usado para recortarem-se as letras da palavra “Ex-tudo”, colada em uma das paredes. A palavra é tomada como título da obra. A princípio, a referência verbal, pelo material com que foi elaborada, dirige-se à publicidade ou, em sentido ampliado, à cultura de massas. A inversão, então, consiste em contrapor a cultura de massas, que se difunde nas ruas, à alta cultura, que também se pretende veicular numa sala de aula, na universidade. Quanto a palavra em si, “Ex-tudo”, teria pelo menos duas interpretações. Na primeira, ela é uma jocosa corruptela de “estudo”, o ato específico de quem estuda ou lê. Para o personagem da instalação, no seu repouso/morte, a última das coisas seria o estudo ou ele não estuda ou o estudo é passado, é ex, assim como a sala é uma ex-sala ou uma não-sala de aula. Noutra acepção, a palavra faz jogo com o prefixo, numa sinonímia para pós-tudo, depois de tudo. Como a instalação foi montada em uma escola de arte, este jogo conduz aos discursos críticos ou históricos da arte e suas adjetivações ou rotulagens de gêneros e estilos. O artista pode estar refletindo sobre a situação de crise criativa nas artes visuais, em particular referindo-se a instância límbica para as artes em geral e, inversamente, o autor indica que, em tal momento, depois de tudo sofrido pelas artes, resta ao artista a pesquisa, o estudo.
Em um meio em que poucos se ocupam em experimentar a instalação como forma de produzir arte, este trabalho de Damasceno merece atenção pela objetividade com que faz emergir os significados de sua obra, ao tempo em que amplia o esforço de alguns como Saionara Pinheiro, Candinha Bezerra ou Guaraci Gabriel.


 

 

 

 

 

 

Schiller dizia que o homem só joga quando é homem no pleno sentido da palavra, e só é inteiramente homem quando joga, mesclando dever e destino. É o que Huizinga chamava de função significante do jogo, o qual encerra uma determinada acepção ao transcender às necessidades imediatas da vida, conferindo-lhe um sentido à ação, o que faz com que as grandes atividades arquetípicas das sociedades humanas sejam marcadas, desde o início, pelo jogo. Na época de gigantes como Shakespeare ou Racine, costumava-se comparar a vida a um palco, embora ainda como eco do neoplatonismo. Interessa aqui observar a ligação entre o jogo e a cultura como base da civilização.

Esse é um retorno à reflexão proposta em “O fim do Homem”, escultura premiada no Décimo Quarto Salão de Artes Visuais de Natal, em 2012,  em que a cisão da era do pós-tudo (pós-história, pós-religião, pós-filosofia, pós-política) coloca em xeque a existência do Sujeito Histórico, nos remetendo à condição pós-moderna, com sua proposta auto referente, em plástico acrílico, sem raiz cultural, de lastro tênue e frágil, um valor inscrito apenas no campo das efemeridades contemporâneas. Aqui, trata-se de um impasse que, no entanto, visto na perspectiva do campo das artes, é mais uma partida provável de ser jogada pelo homem lúdico.


 

 

 

 

 

 

LUDICÍRCULO

 

Por Cláudionor Damasceno.

Historiador, MS. USP. Crítico de artes.

 

 

A obra de arte “Ludicírculo”, conduz o expectador fatalmente ao impasse e à volubilidade típicas dos tempos atuais. A peça em acrílico transparente, alumínio e aço, redimensiona a Arena das Dunas através de uma releitura de um jogo de totó, conferindo-lhe a magnitude do universo planetário onde se dão as relações humanas. O espaço móvel do campo de futebol deixa implícita a imparcialidade da natureza para celebração da vida, em ambiente amistoso e lúdico, onde não há traves ou alçapões para fazer gols. No entanto, como no jogo das relações humanas, o conflito é latente e o aspecto lúdico esperado cede campo ao desarranjo e ao embaraço. Na disputa entre as corporações econômicas e os descamisados, entre as instituições e o ser humano, este último fica em crua desvantagem.

 

 

 

 

 

 

 

 

SOLITÁRIAS

 

Por Cláudionor Damasceno.

Historiador, MS. USP. Crítico de artes.

 

 

São duas camas do tipo “solteiro”, posicionadas em oposição, (pés com pés), na vertical, amarradas por cordas em cores. Seus espelhos rentes ao chão dão apoio e estabilidade. Os estrados são fixos, com oito finas ripas verticais e três traves largas, horizontais.

As camas apresentadas na vertical, ajuntadas a força pelos pés causam inquietação. Elas cedem ao sentido original de sua função, de lugar próprio para o descanso e transformam-se em alegoria potente de sentidos inerentes a condição humana. Visualmente o conjunto suscita estranheza na distinção entre o real e o falso, entre objeto e obra de arte.

Claudio Damasceno convida o expectador a se projetar no ciclo existencial humano a partir das metáforas que extrai da relação entre objeto e obra de arte. As cordas coloridas amarradas forçam a junção das camas como se dois indivíduos estivessem sujeitados a laços que os condenam à solidão. Ou como um único sujeito que tenta recompor a si mesmo, mas, fatalmente a encontra.

O princípio da alegoria, traduzir uma abstração através da ressignificação de um objeto, tem provocado um longo e caro debate no mundo da arte. Seu caráter enigmático ganhou popularidade com os ready-mades de Duchamp, sofistificação na genialidade instigante de Bispo do Rosário, que representava o seu universo através da transformação de cacos de vidro, canecas, pregos e sapatos em bordados. Alcançar a transposição exigida numa alegoria e superar os obstáculos que se interpõem na percepção visual não é tarefa fácil, sendo um grande desafio consegui-lo, mantendo a coerência de sua poética. Em SOLITÁRIAS, esta fatura é muito bem resolvida na formalização estética do trabalho, através da plasticidade das cores, da disposição dos elementos, nos espaços vazios e na tensão das cordas amarradas. O resultado é potencialização das possibilidades do espectador espontaneamente distinguir o real do simulado, sensibilizando-se com o que não é dito, apenas intuído.

Adorno afirmava que as obras de arte têm seus alicerces nos enigmas que o mundo organizado propõe para devorar os homens. Em sua figuração, o mundo é a esfinge e o artista é o Édipo. As obras de arte seriam como a sábia resposta que precipita a esfinge nos abismos. É assim que ele afirma que toda arte está contra a mitologia, pois nela se encontra a resposta para os enigmas com os quais nos deparamos.

 

 

 

 

 

LEVE LIXO

 

Por Cláudionor Damasceno.

Historiador, MS. USP. Crítico de artes.

 

 

Provocar experiências estéticas interagindo com o público é a proposta de LEVE LIXO. Utilizando-se de diversos sacos plásticos preenchidos com gás hélio e caixas de papelão e unidos entre si por uma armação interna de alumínio, o artista confronta o espectador com um paradoxal, leve, inodoro e enorme monturo de lixo urbano com o qual este poderá interagir, deslocando-o, içando-o ou carregando-o por dentro do salão. Para isso, a instalação ficará disposta em área de trânsito e circulação das pessoas que visitarem o evento, provocando e desafiando-os à intervenção, em uma proposta de participação que dá sentido e significado à obra.

Tal experimento estético, integrado tanto pela movimentação dos materiais quanto pelo deslocamento do espectador, em que este abandona a condição passiva diante da obra, nos remete às Manifestações Ambientais, aos Penetráveis e aos Parangolés da revolucionária antiarte de Oiticica. Ou ainda à série de instalações

 

 

 

 

 

Caminhando, Bichos ou mesmo O Homem no Centro dos Acontecimentos, de Ligia Clark. A ambiguidade do jogo de palavras que dá título à obra também contribui para esse viés, ao remeter à ideia de artefatos em trânsito como conceito de objetos não construtivos, passíveis de intervenções. O artista é o que propõe a experiência ao outro, Sujeito concreto e necessário, ocorrendo, daí, a fusão criador-espectador.

No entanto, como chave de leitura para a poética de Claudio Damasceno, para além do caráter estético transgressor que retoma a arte da vanguarda, a desalienação do espectador atinge um caráter político, transformando-o em participador de uma refinada crítica da modernidade, o que se concretiza na evidente associação entre o lixo e a sociedade pós-moderna. Baudrillard já definia o pós-moderno como a cultura do excremento. Encarando de forma criativa e lúdica a produção contemporânea de lixo, o artista consegue a proeza de atribuir função estética ao material antropogênico, resignificando-o como metáfora do consumismo.  O Deus Mercado cultiva nas pessoas, de forma permanente e avassaladora, o excesso e a intemperança, alimentando apetites imaginários e substituindo a necessidade pelo impulso, condenando-as, assim, ao trabalho de Sísifo. Cabe ao expectador/participador posicionar-se.

 

 

A INTERAÇÃO FUNDAMENTAL

 

Gilmara Benevides
MS. Historiadora e Antropóloga


A arte em mosaico é uma referência cultural artística conhecida no Antigo Egito e em toda a região da Mesopotâmia, onde a expansão da língua e dos hábitos árabes islâmicos é originária. Posteriormente chegado ao norte da África e avançando pela zona mediterrânea da Europa como herança patrimonial que penetrou as muralhas da Península Ibérica no século XIV pela influência moura.

A permanência islâmica no continente europeu favoreceu a intensa produção de azulejos, na Espanha os artesãos muçulmanos desenvolveram como estilo próprio mudéjar o horror vacui, a eliminação dos espaços vazios, preenchendo-os a cada milimetro com pequenos pedaços de cerâmica formando desenhos inspirados em grandes rosáceas para as paredes de suas mesquitas.

A busca por um padrão simétrico em conjunto com a expressão da beleza é encontrado nos grandes painéis em mosaico, a principio manufaturados nos artefatos orientais. Porém, o mosaico segue as regras dispostas em cada sistema cultural local: o mosaico da Grécia tem por base amplos círculos e volutas, enquanto na China as peças exibem como motivo principal ziguezagues e entrecruzamentos.

A produção de azulejo foi intensa em Portugal, onde já se havia consolidado o trabalho manual com a cerâmica. Portugal seguiria na criação de painéis iconográficos de cunho religioso, oferecendo como legado cultural sua expressão às áreas colonizadas na África e Índia. No Brasil as cidades de São Luiz, Salvador, Ouro Preto e Olinda possuem paredes cobertas de cerâmica e mosaico.

No Rio Grande do Norte, Natal possui um painel em mosaico datado da década de 1950 assinado pelos artistas plásticos Newton Navarro (1928-1992) e Dorian Gray. A obra foi criada com base na técnica grega, mas é representativa do interesse modernista pelo geometrismo aliado à figura humana. Está fixado na parede do saguão de entrada do Edifício Café Filho, no bairro da Ribeira.

Ainda podem ser vistos painéis em mosaico criados pelo artista plástico Iaponi Araújo (1942-1996), em algumas residências nos bairros de Tirol e Petrópolis, produzidas na década de 1970. Tudo o que foi realizado em mosaico desde então está inscrito no campo do artesanato, elaborado sobretudo para alimentar o mercado turístico local que movimenta a venda de peças de souvenirs.

O diferencial que se apresenta desde o início de 2001 é o trabalho do artista plástico e designer Cláudio Damasceno, que acredita na arte em mosaico como expressão apurada da forma geométrica abstrata. Prefere a elaboração efetiva de um trabalho de criação original dentro do estilo expressionista, além de desenvolver a técnica em materiais inovadores como vidro e plástico.

Quando esteve na Grécia em Março de 1998, Cláudio Damasceno não imaginava que oito anos depois o mosaico ofereceria elementos que hoje fundamentam além de sua própria criação artistica, a possibilidade de interagir contribuindo socialmente com o projeto Mosaico Social. Sua proposta é profissionalizar através de oficinas jovens da periferia na manufatura do mosaico. O projeto Mosaico Social está sendo implantado de maneira pioneira no município de Rio do Fogo, litoral norte do Estado, onde tem o apoio da atual administração.

Durante o período em que cursou Artes Plásticas (UFRN), Cláudio Damasceno estreitou os laços com a arte contemporânea com a montagem da instalação “Ex-tudo” (2001). Um ano antes já havia iniciado as pesquisas sobre a arte em mosaico, consolidadas atualmente em mais de 100m2 em painéis situados em condomínios, prédios e residências em Natal.

 

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